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Foto: Tatiana Lopes/G1 |
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois
artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção
contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria
listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma
segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas
uma, por onde o público entrava e saía. No domingo (27), o incêndio durante uma
festa universitária deixou 235 mortos. Outra medida que não foi cumprida na
estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como
isolamento acústico, que foi onde, segundo testemunhas, o incêndio começou. A
perícia ainda não informou o tipo de material utilizado, mas relatos de
sobreviventes apontam que a espuma usada pegou fogo muito rápido. A Lei
Municipal 3301/91, datada de 22 de janeiro de 1991, diz, no artigo 17: “É vedado
o emprego de material de fácil combustão e/ou que desprenda gases tóxicos em
caso de incêndio, em divisórias, revestimento e acabamentos” em
“estabelecimentos de reunião de público, cinemas, teatros, boates e
assemelhados”. Em relação às portas, a legislação estadual determina claramente
a exigência ao menos de duas portas de entrada e saída em estabelecimentos
públicos. Em nota na noite de terça-feira (29), a Brigada Militar afirmou que a
boate entregou laudo afirmando ter duas saídas de emergência. O decreto nº
38.273, de 9 de março de 1998, altera as Normas Técnicas de Prevenção de
Incêndios, aprovada em 29 de abril de 1997. Ele diz que “as saídas de emergência
são obrigatórias nas edificações previstas na NBR 9.077, da ABNT, e deverão
obedecer às regras ali previstas”. A norma citada da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) considera obrigatória a existência de uma segunda saída,
a porta de emergência. O texto da lei municipal não deixa claro se casas
noturnas devem ter mais de uma saída, a não ser pelo termo no plural no artigo
18, que descreve os tipos de materiais a serem empregados: “As portas
resistentes ao fogo deverão possuir o selo de marca da ABNT e serão dentro das
seguintes especificações: I – porta P-60, para acesso às saídas ou escadas de
emergência com antecâmara, devendo, neste caso, a antecâmara ter duas P-60; II –
porta P-90, para acesso direto à saída ou escada de emergência fazer-se através
de uma única P-90, como nas escadas enclausuradas sem antecâmaras”. O promotor
de Justiça aposentado e professor universitário João Marcos Adede y Castro diz
que a hierarquia da lei é muito clara: a federal se sobrepõe à estadual, que por
sua vez se sobrepõe à municipal. No entanto, na ausência de uma regulamentação
em instância superior, o município pode legislar sobre qualquer assunto. “Não
havendo leis federais ou estaduais que determinem regras específicas, cada
cidade pode e deve criar meios reguladores. Mas havendo tais leis, prevalece a
hierarquia”, esclarece. Para o promotor, acima de qualquer determinação
jurídica, deve imperar o bom senso. “Os princípios gerais da Constituição
Brasileira asseguram ao cidadão o direito à segurança e isso é o mais
importante. Neste caso de Santa Maria, mesmo as autoridades dizendo que tudo
estava regular, me parece evidente que um local com capacidade para quase mil
pessoas necessitava de mais uma saída. Se o fogo começasse na porta, por onde as
pessoas sairiam? Nenhuma legislação resiste ao bom senso”, afirma ele. Relator
dos projetos que resultou na lei estadual anti-incêndio e nos decretos
posteriores, o tenente-coronel Nelson Matter, do Corpo de Bombeiros, diz que em
muitos municípios do estado os bombeiros e as prefeituras fazem vista grossa
para a legislação estadual. “A regra é aplicar a lei estadual, mas muitos
municípios têm leis municipais contra incêndio mais antigas, às vezes muito
menos rígidas, que acabam sendo seguidas. Há muita resistência e problemas para
que sejam feitas as mudanças solicitadas pelos bombeiros. É como pedir para
colocar airbag em um fusca”, exemplifica o coronel. Na reserva há cerca de dois
anos depois de 35 de serviços prestados, o tenente-coronel Nelson Matter
manifestou solidariedade com o colega de profissão, o major Gerson Pereira.
Nesta terça-feira (29), o chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo
de Bombeiros recebeu muitas críticas ao afirmar os bombeiros não foram
negligentes ao vistoriar a boate que não era “competência” da instituição
verificar o tipo de revestimento acústico utilizado. “Fiquei com pena dele. Os
bombeiros têm de lidar com um emaranhado de leis e sofrem pressão de todos os
lados para conceder os alvarás. São prefeituras, políticos, conselhos de
engenharia e arquitetura e empresários”, diz. Em comunicado à imprensa nesta
terça-feira (29), o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, eximiu o Executivo
Municipal de responsabilidade sobre a tragédia. Ele afirmou que o processo de
renovação do alvará da boate Kiss, vencido em agosto de 2012, estava em processo
de renovação e que a próxima vistoria estava prevista para abril. Em nota, a
prefeitura também afirma que cabia ao Corpo de Bombeiros a vistoria anual,
análise e aprovação do Projeto de Prevenção contra Incêndio (PPCI) da casa
noturna, bem como a fiscalização do número de freqüentadores do estabelecimento.
Também por meio de nota, a Brigada Militar afirmou que o proprietário da boate
Kiss solicitou a inspeção para renovação do alvará de prevenção e proteção conta
incêndio em novembro de 2012 e que o processo estava em tramitação. Nessa
situação, diz o texto, “não há previsão legal para interdição imediata
determinada pelo Corpo de Bombeiros, cuja competência é limitada às questões
relacionadas ao sistema de prevenção de incêndio”. A Brigada Militar também
afirma que o PPCI apresentado pelo responsável técnico contratado pela boate
Kiss informava que a boate tinha “duas saídas de emergência, cujas portas
possuíam sentido de abertura para fora, dotadas de barras anti-pânico e
devidamente sinalizadas”. Além disso, esse plano previa a lotação máxima de 691
pessoas e que a superlotação (mais de mil pessoas estavam na boate no momento do
incêndio) é de responsabilidade dos proprietários.
Investigação da tragédia
O delegado regional de Santa Maria (RS),
Marcelo Arigony, afirmou em entrevista coletiva na tarde desta terça-feira (29)
que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio
para ambientes abertos e que não deveria ser usado em local fechado, durante o
show na boate Kiss, em Santa Maria (RS). O equipamento teria provocado o
incêndio que deixou 234 mortos na madrugada de domingo (27). O delegado Marcelo
Arigony elencou uma série de elementos que contribuíram para que a tragédia
ocorresse, como falhas na iluminação de emergência, espuma inadequada para
recobrir a danceteria, além de extintores irregulares. Segundo Arigony, o
extintor de incêndio que estava na boate e falhou quando os seguranças tentaram
apagar o fogo pode ser falsificado.“Segundo testemunhas e provas preliminares,
os extintores podem ser falsos, pois não estavam funcionando, não funcionavam
direito”, disse.
Incêndio e prisões
O incêndio começou por volta das 02h30 de
domingo (27), durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que
utilizou sinalizadores para uma espécie de show pirotécnico. Segundo relatos de
testemunhas, faíscas de um equipamento conhecido como "sputnik" atingiram a
espuma do isolamento acústico, no teto da boate, dando início ao fogo, que se
espalhou pelo estabelecimento em poucos minutos. Quatro foram presos nesta
segunda-feira após a tragédia: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr, o
sócio, Mauro Hofffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que
fazia um show pirotécnico que teria dado início ao incêndio, segundo informações
do delegado Sandro Meinerz, responsável pelo caso. Em depoimento, Spohr afirmou
à Polícia Civil que sabia que o alvará de funcionamento estava vencido, mas que
já havia pedido a renovação. O advogado Mario Cipriani, que representa Mauro
Hoffmann, afirmou que o cliente "não participava da administração da Kiss". Na
manhã de segunda, outros dois integrantes da banda falaram sobre a tragédia. "Da
minha parte, eu parei de tocar", disse o guitarrista Rodrigo Lemos Martins, de
32 anos. Por meio dos seus advogados, a boate Kiss se pronunciou sobre a
tragédia, classificando como "uma "fatalidade". A presidente Dilma Rousseff
visitou Santa Maria no domingo e decretou luto oficial de três dias. O
comandante do Corpo de Bombeiros da região central do Rio Grande do Sul,
tenente-coronel Moisés da Silva Fuch, disse que o alvará de funcionamento da
boate estava vencido desde agosto do ano passado.
Também na tarde desta terça, outras
informações importantes sobre o caso foram divulgadas:
1- Segundo a polícia, a banda Gurizada
Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, impróprio para ambientes
fechados;
2- há diversos indicativos de que a boate não
deveria estar funcionando;
3- a Prefeitura de Santa Maria se eximiu de
responsabilidade pelo incêndio;
4- o chefe do Estado Maior do 4º Comando
Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, recebeu uma ligação do
governo do Estado e disse que foi "orientado a não falar com a imprensa".
5- empresa entrega o gravador e diz que não
foram feitas imagens do incêndio.
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